sexta-feira, 26 de abril de 2013

Domingo diferente

Fotografias de Pedro Costa - Autódromo de Estoril, Portugal

"...da quando Senna non corre più... non è più domenica e non si dimentica."

Desde que Senna não corre mais... não é mais domingo, e não se esquece.
(música de Cesare Cremonini – Marmellata #25)

   28 de agosto de 1992 – Treino de classificação do Grande Prêmio da Bélgica de Fórmula 1, o francês Érik Comas sofreu um acidente e seu carro ficou atravessado na pista ainda ligado. O piloto que vinha atrás, quebrando o protocolo, parou e foi ao encontro de Érik, desligando o motor para evitar uma explosão. Nome do piloto: Ayrton Senna.
   1 de maio de 1994 – Curva Tamburello, Grande Prêmio de San Marino. Um piloto, ao ver que Ayrton Senna havia se acidentado gravemente, saiu do box com seu carro, chegou ao local passando a barreira da segurança, mas foi impossibilitado de prestar socorro. Nome do piloto: Érik Comas.
   Mais tarde, Comas afirmou em entrevista à rede francesa: “Ele salvou minha vida, mas cheguei muito tarde. Fui o último piloto a vê-lo. Foi difícil aceitar que tive a honra de fazer a última visita antes de ele ir embora. Para mim foi o fim do livro da Fórmula 1” (fonte: globoesporte.com).
   A consagração na revista inglesa Autosport em 2009 por 217 ex-pilotos que o elegeram como o maior de todos os tempos; o que também fez a britânica BBC em novembro passado (fonte: Gazeta Press), legitimou o que todos seus fãs já percebiam.
   Ao lembrar de Senna pelo que mais me tocou, diria que ele proporcionou aos torcedores da Fórmula 1 um domingo diferente. Aquele em que acordávamos mais cedo para passar o café, pois sabíamos que assistiríamos no mínimo a um espetáculo. E isso aconteceu a diversas famílias do mundo, independente do continente ou fuso horário.
   Ayrton fez um domingo diferente no GP de Mônaco em 1984, quando seu limitado Tolemans saiu do 13º lugar no Grid e chegou em primeiro sob chuva torrencial; mas com a prova paralisada, foi concedida a vitória à Alain Prost, que havia sido ultrapassado pelo brasileiro momentos antes. Até que em 21 de abril de 1985 aconteceu sua primeira vitória no autódromo de Estoril em Portugal, abaixo de mais chuva. Fora das pistas, suas colocações inteligentes e energia na defesa da segurança dos pilotos também se fez domingo diferente em qualquer dia da semana.



   


   25 de outubro de 2012 – quinta-feira, chuva no autódromo de Estoril, e lá estava eu no cenário da primeira vitória de Senna. Na noite anterior, a recepcionista do hotel, ao nos perceber brasileiros, comentou sobre o piloto; depois foi o garçom e um rapaz no autódromo, todos com saudosismo. E agora eu observava a pista e as arquibancadas vazias. Não ouvia o ronco dos motores, nem a Lotus passar em primeiro na linha de chegada, mas tive a certeza de que nosso brasileiro também era português, japonês, italiano, francês..., era do mundo.
   Muitas vezes me perguntei por que algumas pessoas chegavam mais cedo para a festa lá no Céu, quando ainda queríamos tanto a companhia delas. Hoje sei a resposta: porque Anjos sempre voam mais rápido.


   “Há um grande desejo em mim de sempre melhorar. Melhorar é o que me faz feliz. E sempre que sinto que estou aprendendo menos, que a curva de aprendizado está nivelando, ou seja o que for, e então não fico muito contente. E isso se aplica não só profissionalmente como piloto, mas como pessoa.” - Ayrton Senna     


Senna salvando Érik Comas - 1992

Érik Comas vai à Tamburello - 1994

Primeira vitória de Senna em 1985 - Estoril, Portugal


*Crônica publicada também no Diário Popular de Pelotas,
Diário de Viamão, VS (São Leopoldo).

quinta-feira, 18 de abril de 2013

Sobre metamorfose, Maquiavel e infelicianos


   
Fotografia de Pedro Costa
   
   Diversos fatos que são noticiados nos levam a crer que o poder adquirido através de um cargo político faz uma espécie de metamorfose, transformando sujeitos aparentemente bem intencionados em alguém com propósitos no mínimo questionáveis. Mas será que o poder corrompe?
   É de Abraham Lincoln a famosa frase: “se quiser colocar à prova o caráter de um homem, dê-lhe poder”; para John Emerich Acton, conhecido como Lord Acton, historiador liberal do século 19: “o poder tende a corromper e o poder absoluto corrompe absolutamente”. Segundo o filósofo Nicolau Maquiavel em sua obra “O Príncipe”, - escrita em 1513, no contexto do Renascimento, com o poder político na Itália bastante dividido -, a natureza humana seria essencialmente má, e os humanos almejariam obter o máximo de ganhos a partir do menor esforço, apenas fazendo o bem quando forçados a isso; ainda afirmou que “mesmo as leis mais bem ordenadas são impotentes diante dos costumes”, ou seja, colocando as possíveis mudanças históricas em segundo plano sujeitas a essa natureza humana.
   Ao se deter em Maquiavel, pensei hipoteticamente que se é intrínseco uma natureza má, desde os tempos das cavernas é provável que quem detinha o título de “melhor caçador”, por exemplo, ganhasse regalias, e concedesse outras a quem demonstrasse fidelidade, em uma espécie de “jetom da pedra lascada”. E assim, se formaram os primeiros grupos, guetos, tribos..., partidos? E quem duvida disso, não é mesmo?
   Em tempos atuais no Brasil, parecemos ter retornado a Versailles em época de Revolução Francesa, onde a nobreza ignorava os apelos do povo. Impossível não fazer um paralelo com as ideias de Maquiavel quando multidões protagonizam protestos de repúdio a nomeação de Marcos Feliciano para a Comissão de Direitos Humanos, inclusive com manifestos via redes sociais da internet. E o que se obtém em resposta? Ironias tal qual a famosa frase de Maria Antonieta: “se não têm pão, comam brioches”. Ou seja, o descaso em detrimento à opinião da maioria.
   Por conta dessa metamorfose que o poder exerceria ou da essência humana, seriam todos os que chegam ao poder o inverso do herói que tanto queríamos que fossem? Como cantava Cazuza: “meus inimigos estão no poder”. Mas não há exceções? De qualquer forma temos responsabilidade nas escolhas.

Crônica publicada também nos jornais:
Gazeta do Sul (Santa Cruz do Sul), 
Diário Popular (Pelotas), 
NH (Novo Hamburgo), Diário de Cachoeirinha/Sinos 
e Correio de Gravataí/Sinos.

sexta-feira, 5 de abril de 2013

O susto do crachá

Foto-montagem de Ana Cecília Romeu

Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão - esta pantera -
Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem que nesta terra miserável
Mora entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.
(Augusto dos Anjos – in Versos Íntimos)


 Notícias e mais notícias de vários casos de atrocidades cometidos contra animais, crianças, mulheres, idosos..., enfim, do suposto mais “forte” abusando do mais “fraco” que me deixam a pensar sobre o inevitável rumo que nosso mundo está tomando ou que sempre tomou, e o quanto gostaria de não acreditar que esses fatos fossem verdadeiros.
   Não consigo entender o que move um ser humano a pensar que é superior a outro, ou mesmo superior à natureza, aos animais que tantas vezes nos oferecem lições incríveis. Qual o raciocínio, se existe algum, para que se chegue à conclusão de que se pode maltratar outra vida e legitimar-se com isso, muitas vezes postando publicamente suas “vitórias” em tempos de on-line, onde o imediatismo do “clic” do mouse e da foto por celular parece reger as atitudes mais torpes a serem expostas.
   Um mundo tão diferente daquele que meus pais me apresentaram ou dos sonhos de infância, onde a princesa linda e inteligente não pensava em ser melhor que os outros, se destacava e sustentava o título de heroína porque era alguém bom e justo.
   Hoje as pessoas se assustam se damos “bom dia”, “boa noite”, se perguntamos ao vizinho se está bem. Como se fossemos todos invisíveis, além disso aquele em cujo momento está numa posição dita subalterna parece ganhar visto de invisibilidade ad eternum com direito a passaporte à terra dos “comuns” e visto bloqueado à festa dos VIPs.
   Estive por estes dias no supermercado, e uma coisa que poderia ser banal me colocou em reflexão. Na hora de pagar fui muito bem atendida pela caixa e antes de sair a agradeci dizendo seu nome: “obrigada, Sabrina”, - a moça levou um susto -, foi então que apontei para seu crachá de onde fiquei sabendo como se chamava, ela sorriu envergonhada. Suponho que nunca é chamada pelo nome.
   Pois, sim, as pessoas têm nome, não são números em cartão ponto, não são estatísticas ou qualquer coisa que se possa medir pela "força". Não devem ser mensuradas pela insígnia de família perpetuada em testamento, ou ao contrário, pela ausência de herança a ser declarada no imposto de renda. As pessoas apenas merecem e devem ter respeito. Quando o ser humano entender alguns passos básicos, aqueles que estão no dia-a-dia próximos da percepção, quem sabe o rumo do mundo seja menos previsível.



Supertramp - Better days


Aviso..........
   Pessoal, troquei a apresentação do blog e o título nela para: Letras de Ana Cecília Romeu -  a fim de confirmar a tendência neste espaço virtual de serem publicados textos variados de minha autoria, não só os com conteúdo de humor. No demais tudo permanece como estava. 
   Agradeço a minha irmã, Isabel Rodrigues, pelo design, e a todos pela presença!